Nos sistemas em que estamos inseridos – família, comunidade, trabalho… – é comum fazermos parte de grupos por afinidade quanto a valores, gostos e objetivos semelhantes; por um senso de pertencimento, para nos sentirmos parte de algo maior que nós mesmos, bem como, por “pressão” social, a fim de não nos sentirmos excluídos.
Fazer parte de grupos é natural, recomendável e saudável, desde que seja uma prática que fortaleça a nossa identidade e promova a inclusão. Em contrapartida, “grupos” que alimentam a segregação, mesmo que involuntariamente, são ressignificados para o que chamamos de “panelinha” ou “silo”, formado por um círculo de pessoas que preferem interagir apenas entre si, abdicando da interação com os demais e estabelecendo, de forma sutil, uma peculiar divisão: “Nós” e “Os Outros” (ou “Eles”). “Nós” pensamos de forma parecida, temos atitudes alinhadas, opiniões convergentes, alta tolerância e cooperação entre os nossos, enquanto “Os Outros” representam aqueles cujas divergências em relação aos mandamentos da panelinha geram reações que podem variar da aversão à indiferença – é importante destacar que ambas as posturas são carregadas de arrogância, sensação de superioridade e são obstáculos para a construção de qualquer ambiente colaborativo, agregador e saudável.
Nesse ponto, convido você a refletir sobre sua postura habitual dentro dos grupos dos quais faz parte, considerando que, embora raramente observemos isso, essa reflexão traz aspectos importantes sobre cada um de nós:
- Você é quem lidera a formação de grupos ou é parte dos integrantes?
- Os grupos dos quais participa têm características de “panelinhas” (importante: aqui, o conceito “panelinha” baseia-se na segregação intencional, com um comportamento prevalente de valorização do que vem de “Nós” e a desconsideração ou desvalorização do que vem dos “Outros”)?
- Você expressa suas opiniões dentro dos grupos ou tende a acolher as dos demais?
- Você é um conector de pessoas, estimulando interações, ou costuma ser aquele que é conectado por alguém?
Ao repassar o filme das nossas vidas, em algum momento já participamos de algum silo, sem ter muita consciência do que isso significava e o impacto que causava. Como estamos aqui para aprender e evoluir sempre; hoje, internalizar que a manutenção ou o cultivo de silos significa agir contra a construção de conexões e colaborações, coloca em nossas mãos a escolha de agirmos de maneira diferente, certo?!
É possível que sua mente reativa tenha entrado em atividade máxima, com argumentos do tipo “você não tem ideia do que “Os Outros” fazem” ou “é fácil falar, vem aqui ver como “Eles” são, não tem condição!”. Tenho certeza de que você possui inúmeros argumentos para justificar o porquê de se manter afastado dos “Outros”, assim como imagino que “Os Outros” tenham vários exemplos de atitudes tomadas por “Nós” que não foram nada legais. Observe que ambos, “Os Outros” e “Nós”, têm seus argumentos e que, em algum momento, invertemos os papéis; ou seja, “Nós” nos tornamos “Os Outros” para alguém!
Será que “Os Outros”, de fato, não são tão importantes assim para “Nós”? Explorando essa questão no mundo do trabalho, onde os silos muitas vezes se formam nas áreas/departamentos de uma empresa por possuírem perfis diferentes. Temos uma área que lida com o cliente final, caracterizada por um perfil totalmente relacional e com alta disposição para servir e ser útil. Há outra área que lida com finanças, apresentando um traço mais objetivo, minucioso e lógico. E ainda existe aquela que pensa em novos negócios, trazendo uma alta carga de criatividade, inovação e realização. Supondo que você deteste lidar com números, provavelmente se sentiria grato a Deus por ter criado quem goste de conviver com eles, da mesma forma, se para você fosse um desafio ter que se relacionar e servir os outros, seria um presente ter alguém que o fizesse sorrindo de orelha a orelha no seu lugar. Aquilo que é mais diferentão para “Nós” tende a ser mais presente e fluido para “Os Outros”. Usando esses exemplos, não dá uma sensação de alívio (e até gratidão) reconhecer que existe alguém para fazer aquilo que não somos bons ou nos traz desconforto? Contudo, tendemos a desconsiderar os aspectos positivos que “Os Outros” trazem para “Nós”, focando quase que infantilmente naquilo que é difícil e desafiador. Olha aí, outro ponto que podemos fazer diferente!
Agora vou colocar uma lente de aumento para entendermos um pouco mais sobre o indivíduo que faz parte dos “Outros”. Mas antes, peço licença para compartilhar a minha teoria de que, se o mundo fosse composto por 100 pessoas, 98 seriam pessoas relacionáveis e 02 seriam “espírito de porco” – expressão popular para pessoas complexas e de difícil relacionamento. Partindo dessa premissa, a turma dos “Outros” é composta por uma maioria (98%) que é possível sim estabelecermos conexões saudáveis! Essas pessoas são indivíduos que:
- têm um emprego para gerar renda, satisfazer suas necessidades básicas – alimentação, saúde, segurança, educação… – além de buscar conquistas e realizações;
- preocupam-se com quem amam – pai, mãe, filho, irmão, amigos;
- sentem medo diante de notícias difíceis, como uma doença;
- vivenciam dores profundas com as perdas;
- ficam inseguras sobre o futuro quando estão sem trabalho ou perspectiva de renda;
- representam uma fortaleza para seus filhos ou
- são motivo de orgulho para seus pais ou para quem desempenhou esse papel em suas vidas.
Seus desejos, posturas e aflições são muito diferentes dos “Outros”? Acredito que não, pois somos mais parecidos do que pensamos! Eu, você, “Nós” e “Os Outros” estamos tentando da melhor forma que podemos, trilhar essa aventura chamada VIDA, com acertos e erros, utilizando os recursos que temos para nos motivar a prosseguir, crescer ou, às vezes, descansar.
Sob essa perspectiva, episódios antes considerados desgastantes podem ser ressignificados como situações nas quais “você foi apenas mais um agraciado pela atmosfera contagiante proporcionada por alguém que não está na sua melhor forma”, e assim seguir no nosso exercício de neutralizar a segregação “Nós” x “Os Outros” cultivando um olhar empático sobre um indivíduo que é um igual a você – passando por altos e baixos, com dias bons e ruins, e tentando fazer o seu melhor da maneira que consegue. (Se você se percebe em melhores condições emocionais que o coleguinha – sem sentimento de superioridade e com empatia – que tal agregar oferecendo ajuda, afeto ou simplesmente não respondendo na mesma vibração?)
Ao entender que o outro é uma extensão do que somos, começamos a nos compreender melhor, a estabelecer conexões mais significativas e a trazer mais qualidade para as relações, impactando de forma ativa e positiva os sistemas dos quais fazemos parte!